O sistema de transmissão representa um dos componentes mais críticos na operação de helicópteros, desempenhando funções essenciais para a segurança e eficiência da aeronave. Este artigo explora em detalhes os componentes, funcionamento e características deste sistema vital.

Função Primária do Sistema de Transmissão

O sistema de transmissão em helicópteros cumpre duas funções principais:

  1. Redução da RPM do motor: Converte a alta rotação do motor (tipicamente 2.000 a 3.000 RPM) para rotações mais baixas adequadas ao rotor principal (cerca de 300 a 450 RPM).
  2. Transferência de potência: Transmite eficientemente a força gerada pelo motor para os rotores principal e de cauda, além de outros componentes e acessórios da aeronave.

Em helicópteros com motores montados horizontalmente, o sistema também tem a função adicional de mudar o eixo de rotação do eixo horizontal do motor para o eixo vertical do rotor principal.

Componentes Principais

Transmissão do Rotor Principal

A transmissão do rotor principal constitui o centro do sistema. Para cada tipo de helicóptero existe uma proporção específica de redução de RPM. Por exemplo:

  • Uma redução de 6:1 converteria 2.700 RPM do motor para 450 RPM no rotor
  • Uma redução de 9:1 resultaria em 300 RPM no rotor para o mesmo motor

Unidade de Roda Livre

Este componente crucial atua como intermediário entre o motor e a transmissão principal, com a função de:

  • Desacoplar a transmissão principal do motor em caso de falha
  • Possibilitar a autorrotação, permitindo que o rotor principal continue girando por inércia e pela ação do vento
  • Em helicópteros multimotor, cada motor possui seu próprio sistema de roda livre

Em certos modelos, como o Bell BH-206, a unidade de roda livre está localizada na caixa de acessórios. A transmissão lubrifica este componente para garantir rotação livre.

Conjunto Planetário de Redução

Também conhecido como caixa redutora, consiste em um conjunto de engrenagens responsáveis por realizar as reduções e ampliações necessárias da RPM do motor para os diversos acessórios da aeronave.

Sistema de Acionamento do Rotor de Cauda

Transfere potência para o rotor de cauda, componente essencial para contrabalançar o torque gerado pelo rotor principal e prover controle direcional.

Métodos de Acoplamento Motor-Transmissão

Embreagem Centrífuga

Neste sistema:

  • Durante a partida, o rotor não está inicialmente acoplado ao motor
  • Esta configuração facilita o início da operação do motor sem a carga representada pelo peso do rotor principal
  • Uma vez que o motor está funcionando, a força centrífuga faz com que sapatas (semelhantes a lonas de freio automotivas) se movam para fora
  • As sapatas começam a deslizar contra o tambor externo conectado à transmissão
  • A transmissão é então “engrasada” (termo aeronáutico para “conectada”) ao motor, acionando gradualmente os rotores
  • A velocidade do rotor aumenta progressivamente até que as agulhas do tacômetro de motor e rotor estejam sobrepostas, indicando sincronização completa

Sistema de Correias

Características principais:

  • A partida do motor ocorre completamente independente do rotor principal
  • Os rotores só são acionados quando o comando de engrasamento das correias é ativado
  • O sistema consiste em uma polia inferior (motor), uma polia superior (eixo de transmissão), correias (geralmente em V) e mecanismo de tensionamento
  • Após a partida do motor, a tensão nas correias é gradualmente aumentada até sincronização completa
  • Vantagens incluem isolamento de vibração, manutenção simplificada e capacidade de aquecer o motor sem engatar o rotor

Acoplamento Direto

Este método utiliza:

  • Um eixo com sistema especial de amortecimento de choque
  • Ligação direta entre a saída de força do motor e a transmissão principal
  • Mecanismos para absorver vibrações e oscilações de torque

Sistemas Auxiliares e Suporte

Tacômetros Duplos

A maioria dos helicópteros utiliza instrumentos específicos para monitorar simultaneamente a rotação do motor e do rotor:

  • Tacômetros de agulha dupla ou instrumentos de escala vertical
  • Fundamentais durante o engate da embreagem e em autorrotação
  • A rotação do rotor é considerada primordial, e a do motor secundária
  • Em aeronaves mais modernas, são usados displays digitais em “glass cockpits”

Servos Hidráulicos dos Comandos de Voo

Têm a função de:

  • Eliminar esforços excessivos nos controles
  • Reduzir a transmissão de vibrações dos componentes dinâmicos aos comandos de voo (cíclico, coletivo e pedais)
  • Melhorar a resposta e precisão dos controles

Sistema de Lubrificação

As transmissões de helicópteros são normalmente:

  • Lubrificadas e resfriadas com seu próprio suprimento de óleo
  • Equipadas com visor para verificação do nível de óleo
  • Em alguns casos, dotadas de detectores de limalhas no cárter, conectados a luzes de advertência no painel de instrumentos
  • Certos helicópteros modernos possuem detectores com capacidade de “queima” que tentam corrigir problemas sem intervenção do piloto

Sistemas de Refrigeração

Para manter a viscosidade e temperatura adequadas para lubrificação eficiente:

  • Os óleos necessitam de resfriamento adequado através de radiadores
  • Ventiladores fornecem fluxo de ar para os radiadores
  • Os ventiladores podem ser acionados por correias, pela própria transmissão ou por motores elétricos

Considerações Operacionais e de Segurança

A manutenção adequada da RPM do rotor é crítica para a operação segura:

  • O controle da relação entre rotação do motor e do rotor é constantemente monitorado
  • RPM abaixo dos limites normais pode ter consequências catastróficas
  • No caso de falha do tacômetro do rotor, sua rotação pode ser determinada indiretamente pela RPM do motor
  • Em caso de falha do motor, a unidade de roda livre permite autorrotação, uma manobra de emergência vital

Nos helicópteros com embreagem, o controle preciso de potência durante a partida é essencial:

  • Aplicações rápidas ou excessivas de aceleração podem causar sobrevelocidades potencialmente danosas
  • O processo de engajamento deve ser gradual e controlado
  • Quando a embreagem não está engajada, os motores são particularmente suscetíveis a excesso de velocidade

Conclusão

O sistema de transmissão de helicópteros representa um exemplo notável de engenharia, balanceando requisitos aparentemente contraditórios: alta potência e peso reduzido, confiabilidade e complexidade. A compreensão detalhada de seu funcionamento é fundamental não apenas para técnicos de manutenção, mas também para pilotos, que podem se beneficiar deste conhecimento em situações normais e de emergência.

O desenvolvimento contínuo destes sistemas tem permitido avanços significativos em desempenho, confiabilidade e segurança, consolidando o helicóptero como uma plataforma versátil para diversas aplicações civis e militares ao redor do mundo.

Antitorque rotor: Rotor de cauda que gera empuxo para contrabalançar o torque do rotor principal, evitando que a fuselagem gire na direção oposta à rotação do rotor principal.

Autorrotação: Condição de voo em que o rotor principal gira por efeito da inércia e ação do vento relativo que passa pelo disco do rotor de baixo para cima, permitindo um pouso de emergência em caso de falha do motor.

Caixa de 90°: Caixa de transmissão traseira que muda em 90° o ângulo de rotação do eixo de acionamento do rotor de cauda.

Caixa redutora: Conjunto de engrenagens que reduz a rotação do motor para a rotação adequada dos rotores e outros componentes.

Conjunto planetário de redução: Sistema de engrenagens que realiza as reduções e ampliações necessárias da RPM do motor para os diversos acessórios.

Detector de limalhas: Dispositivo localizado no cárter da transmissão que detecta partículas metálicas no óleo, indicando possível desgaste ou falha interna.

Embreagem centrífuga: Sistema de acoplamento composto por um conjunto interno e um tambor externo, no qual a força centrífuga faz com que sapatas deslizem contra o tambor, engajando gradualmente o rotor.

Engrasamento: Termo aeronáutico para o ato de conectar ou acoplar a transmissão à força motriz.

Freio do rotor: Dispositivo utilizado para desacoplar o eixo de transmissão principal do rotor principal, facilitando a parada do rotor após o desligamento do motor.

Polia: Componente mecânico em formato de roda com canal periférico por onde passa a correia no sistema de transmissão por correias.

Roda livre: Sistema que permite a transmissão girar independentemente do motor em caso de falha, possibilitando a autorrotação.

RPM (Rotações Por Minuto): Unidade de medida da velocidade angular que indica o número de voltas completas por minuto.

Sapatas da embreagem: Componentes revestidos com material semelhante a lonas de freio que, por ação da força centrífuga, movem-se para fora e engajam o tambor externo da embreagem.

Servos hidráulicos: Componentes que utilizam pressão hidráulica para auxiliar nos comandos de voo, eliminando esforços e reduzindo a transmissão de vibrações.

Sistema de correias: Método de acoplamento que utiliza correias (geralmente em V) para transmitir potência do motor para a transmissão.

Sistema de transmissão intermediária: Caixa que muda a inclinação do eixo do rotor de cauda em ângulos específicos.

Tacômetro duplo: Instrumento que exibe simultaneamente a rotação do motor e do rotor, essencial para monitorar a sincronização entre ambos.

Tambor externo: Componente da embreagem centrífuga conectado ao eixo de entrada da transmissão.

Transmissão principal: Componente central que recebe potência do motor, reduz a rotação e distribui para o rotor principal, rotor de cauda e outros acessórios.

Unidade de roda livre: Sistema que intermedia o motor e a transmissão principal, permitindo que o rotor principal gire independentemente do motor em situações de falha.